O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

País bloqueado: Drummond e Nabuco

Vi Eduardo Sterzi, no último sábado, falar de A rosa do povo na Biblioteca Mário de Andrade, com as intervenções poéticas da Companhia da Flor (boa escolha para um livro em que flores têm um papel tão importante). Esse foi o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade que tive, ainda na adolescência, numa edição do Círculo do Livro. O livro sempre foi um dos meus favoritos.
Um dos poemas que mais me despertaram a curiosidade foi o Áporo, que tem aquele verso de uma palavra só, "antieuclidiana". Sterzi, com pouco tempo, falou da interpretação que Décio Pignatari deu ao poema, vinculando-o a Prestes ("presto se desata"), mas não da de Davi Arrigucci Jr. nem da sua própria. Enquanto isso, eu lembrava de Joaquim Nabuco.
O segundo quarteto do admirável poema de Drummond (alguém lembra de uma das críticas mais ridículas da literatura brasileira, que defendia que ele não era um grande escritor porque não escreveu romances e porque não teria sido autor de grandes sonetos?) emprega a expressão memorável "pais bloqueado", que Sterzi toma para si no livro O aleijão.
Parece-me, contudo, que Drummond pode ter-se inspirado em Joaquim Nabuco para escrevê-la. Em O Abolicionismo, Nabuco, escreve sobre o "país fechado" que seria o Brasil de seu tempo:

O funcionalismo é, como já vimos, o asilo dos descendentes das antigas famílias ricas e fidalgas, que desbarataram as fortunas realizadas pela escravidão [...] É além disso o viveiro político, porque abriga todos os pobres inteligentes, todos os que têm ambição e capacidade, mas não têm meios, e que são a grande maioria dos nossos homens de merecimento. Faça-se uma lista dos nossos estadistas pobres, de primeira e segunda ordem, que resolveram o seu problema individual pelo casamento rico, isto é, na maior parte dos casos, tornando-se humildes clientes da escravidão; e outra dos que o resolveram pela acumulação de cargos públicos, e ter-se-ão, nessas duas listas, os nomes de quase todos eles. Isso significa que o país está fechado em quase todas as direções [...]
A classe dos que assim vivem com os olhos voltados para a munificência do governo é extremamente numerosa, e diretamente filha da escravidão, porque ela não consente outra carreira aos brasileiros, havendo abarcado a terra, degradado o trabalho, corrompido o sentimento de altivez pessoal em desprexo por quem trabalha em posição inferior a outro, ou não faz trabalhar.

O bloqueio, parece-me, tem o sentido de tudo ter de passar pela administração pública, que é apreendida por interesses privados, que, na época, não era outro senão o do escravismo. Dessa forma, "o servilismo e a adulação são a escada pela qual se sobe", e "os empregados públicos são os servos da gleba do governo".
Talvez não seja abusivo, portanto, pensar que também nesse poema os temas do funcionário e da fazenda - característicos do Brasil de Drummond - estariam presentes e fariam parte do "labirinto".
Ademais, se Drummond estaria a dialogar com Nabuco, não seria a qualificação "antieuclidiana" uma referência não ao geômetra antigo, que teria deixado de prever as formas da flor, e sim a Euclides da Cunha, esse outro nome do pensamento nacional? Os impasses que Nabuco viu na monarquia continuavam na república, podemos lê-los em Euclides.
Dessa forma, a orquídea - como a flor que vence o asfalto em "A flor e a náusea" - superaria a sanha genocida do governo e das forças armadas, o coronelismo e a pobreza? O determinismo e o racismo, presentes em Os sertões? "Crimes da terra, como perdoá-los?"
É bem possível. Mas o sentido de "Áporo" sempre escapará, pois é poesia, e um poema trata sempre de algo e de outra coisa: "e uma rosa se abre, um segredo comunica-se, o poeta anunciou,/ o poeta, nas trevas, anunciou."

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