O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Desarquivando o Brasil XXXI: mais do Cordão da Mentira

Na nota que escrevi às pressas para participar da blogagem coletiva, "Desarquivando o Brasil XXX: Comissão da Inverdade, Cordão da Mentira e os juristas", incluí um panfleto de 1979, apreendido pela polícia em São Paulo, da campanha pela Anistia.
No ano passado, usei esse panfleto numa atividade na disciplina Filosofia jurídica. O poeta, cientista político, diplomata e especialista em Milton Nascimento (entre outros talentos) Ricardo Rizzo, meu amigo, perguntou por que não lembrei de que o título vinha de canção de Milton e Ronaldo Bastos, "Menino", escrita em resposta ao assassinato do estudante Édson Luís pela polícia no Rio de Janeiro em 1968. "Quem cala sobre o teu corpo consente na tua morte", na voz do compositor.
Eu sempre tinha de lembrar da canção com os alunos, que em geral não tinham conhecimento nem interesse por música brasileira e não identificavam a referência, que continuava atual na época.
Nesse ano de 1979, Elis Regina interpetava a canção no espetáculo Saudades do Brasil, com arranjo de Cesar Camargo Mariano. Ela chegou a combiná-la com uma canção de Fátima Guedes, "Onze fitas". http://www.blogger.com/img/blank.gif
Elis lançou tanto Milton quanto Fátima Guedes. Aqui, se pode ouvir a compositora. A combinação que a poderosa cantora fez foi lançada em disco e pode ser ouvida nesta ligação, com a intuição da cantora em ver o liame entre os dois assassinatos, entre as duas violências.
Talvez algo de correlato estivesse presente no Cordão da Mentira; ou na carta que as Mães de Maio brasileiras escreveram para as Mães da Praça de Maio argentinas.



Ainda na concentração da passeata, podem-se ver duas formas de representação dos desaparecidos da ditadura: o cartaz com diversos rostos de desaparecidos, que pode ser visto também na nota anterior que fiz sobre o Cordão da Mentira, e as lindas efígies coloridas, que permitiam a visão dos dois lados. Os que sofreram a mesma violência na democracia estavam igualmente representados.
Os desaparecidos e mortos da ditadura foram homenageados também nas placas que foram afixadas em locais estratégicos. Mostrei algumas na nota anterior.



Ativistas dos direitos indígenas estavam presentes na manifestação - ao lado, camiseta com mensagem contra o genocídio dos índios Guaranis, em marcha judiciosa e executiva no Mato Grosso do Sul. Participaram do Cordão também os membros das bicicletadas, que por vezes caem vítimas do desastre urbanístico e administrativo que São Paulo continua a ser.



Escritores na passeata: Fabio Weintraub, em foto tirada ainda na concentração do evento, em frente ao Cemitério da Consolação. Logo abaixo, Julián Fuks na Rua Fortunato, com a camiseta azul dos 33 anos das Mães da Praça de Maio.





Na Rua Maria Antônia, vemos novamente a comissão de frente da passeata, composta pelas Mães de Maio. Desta vez deste ângulo, para se ver a mensagem da camiseta: "Um mundo melhor é possível: Quando o Estado não mais discriminar, não excluir o pobre e negros. Exigimos dignidade, igualdade, justiça e liberdade!".
A mensagem pressupõe outro valor: a diversidade, que se manifestou na passeata.

Ainda na mesma rua, de verde, Raphael Tsavkko, the angry Brazilian, jornalista que escreveu no seu blogue sobre o Cordão, incluindo fotos bem melhores do que as minhas e vídeos. Pode-se vê-lo com uma camiseta de apoio aos bascos.




Presente na manifestação, estavam setores da Academia. Os estudantes de Psicologia apareceram, sem divã, para afirmar que nem Freud entende a impunidade dos torturadores. De fato, o fundamento teórico deve ser outro, precisa ser buscado no lugar onde se encontram certas derivas de uma criminologia que se pretende crítica com a extrema direita menos disfarçada. Na foto seguinte, não conheço os outros, mas, no centro, com a camiseta branca inscrita com "Juicio y castigo", estava o mestre em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo Renan Quinalha, orientando de Deisy Ventura. Sua dissertação tinha como tema a justiça de transição.


Caminhando para o Minhocão, ainda passando pelo Largo de Santa Cecília. Apesar da faixa da Companhia de Teatro Kiwi sobre a impossibilidade da felicidade, creio que ela foi desmentida, pois a manifestação tinha um sentido de júbilo.



Em frente ao Teatro do Folias d'Arte, foi realizada nova pausa. Soltaram-se balões vermelhos, imagem simples de júbilo.




Na nota anterior, incluí foto de Lino Bocchini, jornalista da Falha de S.Paulo, censurado judicialmente pelo jornal quase homônimo. Ele escreveu também sobre o Cordão da Mentira. Agora, insiro outra foto. Na árvore em frente ao prédio da Folha de S.Paulo, vejam, que foi amarrada uma placa em homenagem às vítimas do urbanismo higienista de São Paulo. Essas placas foram ignoradas na modesta cobertura da passeata feito pelo Estado de S.Paulo, e na modestíssima pela Folha, e tal silêncio ecoa o silêncio dessas vítimas.

Na última foto,http://www.blogger.com/img/blank.gif vê-se o pouso final da passeata. É possível ver a Universidade Livre de Música, enquanto músicos sobre o caminhão de som reclamavam que se ensinasse música popular. Não fazia sentido a queixa (que tinha um fundo de intolerância, repetido em outra fala, contra a música "clássica", e desafinava a ideia de diversidade), pois lá também se ensina esse tipo de música. Ela não silencia: "Quem grita vive contigo".

P.S.: Contei, em outra nota, que o professor Ítalo Moriconi falou do manifestante no Rio de Janeiro que teve o braço quebrado pela polícia na recente manifestação contra a comemoração do golpe militar. Eis aqui a história dele.

2 comentários:

  1. Olá,

    Valeu pelo comentário e pelas fotos. Mas há uma precipitação que merece ser discutido sobre o último ato. O rebatismo da Escola Livre de Música para "Pato n´Água" não é um protesto pelo ensino de música popular - que de fato se ensina, ainda que seja um "certo tipo" de música popular. Pouco conhecido, ali há pouco tempo era o espaço da rua do Samba, que hoje está em extinção pela administração que não reconhece a cultura dos blocos de rua (muitos sofreram repressão pesada neste carnaval) e do samba. No lugar da manifestação das pessoas que viviam ali, a prefeitura e o estado deslocam o projeto da Escola "Tom Jobim" (que antes ficava ao lado do Teatro Municipal), como um marco cultural do projeto urbano da Nova Luz. Nada contra, portanto, ao projeto da escola em si, mas ao lugar em que foi inserida e o que se leva ao esquecimento: como a cultura negra que habitava aquele lugar e que aos poucos parece difusa até mesmo para os comentários de esquerda - pois em nenhum lugar foi tratada a questão desta maneira. Bastava pesquisar quem foi Pato n´Água, para entender o que se passava naquele protesto. Vale a pena pesquisar este assunto, pois um lado da repressão da ditadura que poucos comentam, é aquele voltado na área de cultura, e, sobretudo, aquele que passava na Boca do Lixo e suas imediações.
    Até uma próxima,
    Silvio

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  2. Prezado Silvio,
    obrigado pelo que escreveu, e por apontar que "em nenhum lugar foi tratada a questão desta maneira". E essa repressão é mais velha do que a ditadura, lembro que no começo do século passado foi muito intenso o higienismo racista na Praça da República. E o higienismo prossegue.
    Abraços, Pádua.

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