O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Matrimônio igualitário no Brasil, já e ainda não

Li recentemente importante artigo de Idelber Avelar sobre a próxima campanha pelo casamento civil igualitário no Brasil, a ser lançada no dia 12 deste mês. A campanha se origina na iniciativa do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que propôs uma emenda constitucional para alterar o artigo 226 da Constituição da República, com o fim de que o texto constitucional preveja explicitamente o fim da discriminação por gênero no matrimônio.
No portal da campanha, vê-se a presença de Bruno Bimbi, jornalista e ativista argentino, um dos principais responsáveis pela aprovação desse matrimônio na Argentina.
Falta explicar, porém - pois o quadro jurídico no Brasil é diferente do argentino - que pessoas do mesmo sexo já podem casar no Brasil, como tem acontecido em decisões esparsas.
Sobre o julgamento no Supremo Tribunal Federal da ADI 4277 e da ADPF 132, em que foram reconhecidos os efeitos da união estável a casais do mesmo sexo, escrevi duas notas neste blogue, uma sobre os argumentos católicos da CNBB, outra sobre o arrazoado da pró-nazista Associação Eduardo Banks, que estavam do mesmo lado, contra a questão.
Quero agora ressaltar o mal-estar explícito nos votos "lateralmente" discordantes, como o de Gilmar Mendes. Ele decorre desta previsão da lei da união estável, lei federal nº 9.278, de 10 de maio de 1996:

Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.

O mal-estar que não ousa dizer seu nome é o de que os Ministros simplesmente abriram essa janela legal. Vejam a ementa da decisão (cliquem aqui em ementa). Mesmo a divergência "lateral" e minoritária de dois Ministros sucumbe diante desta clara passagem:

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. [grifo meu]

Como os efeitos são os mesmos, o mencionado artigo oitavo aplica-se também a uniões estáveis de indivíduos do mesmo sexo. Porém, subsiste uma desigualdade: é necessário, de acordo com esse caminho legal, para casais do mesmo sexo, ter uma união estável para depois casar. Isso não faz muito sentido mesmo do ponto de vista da atual Constituição, uma vez que os de sexos diferentes não precisam seguir esse trâmite. Sob esse aspecto, a PEC seria útil para esclarecer politicamente o assunto - resta esse ainda não.
É claro que o atual Congresso Nacional brasileiro é conservador, e a tarefa será mais difícil do que na Argentina, que alterou o Código Civil. A aprovação de emenda constitucional, no Brasil, exige um quórum qualificado de três quintos de cada Casa do Congresso, isto é, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
A proposta de Jean Wyllys, apesar dessas dificuldades, deve ser discutida. Lembro agora do final do longo livro (Matrimonio igualitario: Intrigas, tensiones y secretos ewn el camino hacia la ley) em que Bimbi narra, de maneira jornalística, a campanha pelo casamento igualitário na Argentina. O autor, muito acertadamente, termina com as palavras de Norma Castillo, que foi a primeira mulher a casar-se (legalmente) com outra (sua companheira de décadas, Ramona Arévalo) na Argentina:

En el día de la promulgación de la ley, Norma Castillo le dijo a una compañera que estaba embarazada y planeaba, antes del parto, casarse con su novia:
- Tu hijo va a nacer en un país distinto.


É essa a questão central, mudar o país. As forças que desejam que o Brasil continue a ser um país desigual e violento, como teocratas e filonazistas, já se manifestaram no julgamento da união estável e reunirão forças contra a proposta. É necessário reunir forças pela mudança, e tal é o espírito da Campanha.

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