O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Desarquivando o Brasil XLV: Perseguidos de ontem e de hoje: As Caravanas da Anistia e as Mães de Maio

Esta nota foi elaborada para o tuitaço #MemoriaDH e #DesarquivandoBR que ocorrerá hoje, a partir das 20:00h, em homenagem ao dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A 66ª Caravana da Anistia ocorreu no Memorial da Resistência, com o presidente da Comissão de Anistia e Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão. Consegui assistir à primeira parte do evento, em que se concedeu postumamente anistia política ao padre José Eduardo Augusti, cuja imagem foi projetada na foto abaixo. Estava previsto que às 13 horas começaria a sessão solene de julgamento da anistia dos militantes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, mas somente nesse horário acabou a primeira parte, e eu tinha que ir embora.



Gostaria de lembrar que o Sindicato dos Metalúrgicos em São Paulo estava engajado nas lutas de sua época. O ano de 1979, em que houve intervenção no sindicato, foi o da aprovação do projeto governista de anistia, e os metalúrgicos estavam engajados na campanha desde pelo menos o ano anterior. 
Destaco aqui relatório do DEOPS de São Paulo sobre a cerimônia de fundação da seção paulista do Comitê Brasileiro pela Anistia, na Câmara Municipal de São Paulo em 12 de maio de 1978. Além de Ruth Escobar, Franco Montoro, Hélio Bicudo, Mário Simas e outros, falou um representante, não identificado no relatório, dos Metalúrgicos do ABC:




Manoel Fiel Filho, metalúrgico comunista assassinado poucos meses depois de Herzog, foi um dos exemplos. No mesmo dossiê, há uma transcrição da fala, que também deixa de indicar o nome do orador.




Após o orador ter dito que a luta pela anistia pertencia também aos metalúrgicos, lemoseste compromisso:
[...] vamos retomar essa luta, partindo [de] querer uma anistia ampla e irrestrita a todos os companheiros que estão fora do país, que estão presos ou em memória dos que já foram mortos, lutando pela nossa anistia, nós não vamos mais querer que tenhamos companheiros como Manoel Fiel Filho, mortos assassinados quando lutavam por nós [...]
Além de outros metalúrgicos perseguidos, são citados torturados e mortos de outras classes: o jornalista Herzog e o estudante Alexandre Vannucchi Leme. Celso Brambilla, deve-se lembrar, havia sido um dos presos antes da comemoração do primeiro de maio em 1977.

Enfm, tratava-se de uma luta comum. Aqui, pode-se ler a matéria da EBC sobre a últiam edição do ano da Caravana da Anistia: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-12-08/caravana-da-anistia-reconhece-em-sao-paulo-perseguicao-ao-padre-augusti
A matéria do Jornal do Brasil, feita ainda durante os acontecimentos (http://www.jb.com.br/pais/noticias/2012/12/08/caravana-da-anistia-reconhece-em-sao-paulo-perseguicao-ao-padre-augusti/)  deixou de mencionar que Paulo Abrão, de manhã, exibiu e sugeriu fortemente a leitura do livro das Mães de Maio, lançado na última quarta-feira no Sindicato dos Jornalistas, em São Paulo.
Na foto, ele mostra a publicação:




Paulo Abrão ressaltou a continuidade dos abusos contra os direitos humanos da ditadura militar até hoje, e creio que ele tem razão.
Estive no lançamento do Periferia grita: Mães de Maio Mães do Cárcere. Abaixo, vê-se Débora Maria, membro do movimento e também um dos editores do livro, falando nessa ocasião.


O livro é composto de textos variados, de diversos gêneros, e de qualidade também variada. É um documento, porém, e deve ser lido por isso, por testemunhar os assassinatos na periferia, especialmente de jovens negros. Os números são abusivos: "em 2008, por exemplo, o número de homicídios cometidos por policiais supostamente durante confrontos no estado de São Paulo (397) é superior ao número total de  homicídios cometidos por policiais em toda a África do Sul (351), um país com uma taxa de homicídio superior a de São Paulo." (p. 22-23).

A situação se repete neste ano, como alerta o movimento na Carta do Comitê Ampliado contra o Genocídio: http://maesdemaio.blogspot.com.br/2012/11/carta-do-comite-ampliado-contra-o.html

Em razão desta violência, começou um ato, hoje às 17:30h, no vão do MASP.



No livro das Mães de Maio, lemos que "Assim como aconteceu durante a Ditadura Civil-Militar brasileira, e tantas outros episódios violentos cometidos pelo Estado, os Crimes de Maio de 2006 cometidos por agentes policiais também permanecem impunes [...]" (p. 25).
Nessa lacuna da democracia brasileira, temos um dos nós a desatar na justiça de transição.

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