O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O cerco à aldeia Maracanã (Ruínas de Janeiro II, Terra sem lei IX, Desarquivando o Brasil XLIX)

O governador Sérgio Cabral Filho, em nova atitude de pouco apreço aos direitos humanos e ao estado de direito, mandou o batalhão de choque para cercar a Aldeia Maracanã ontem, no sábado, à espera de uma liminar judicial que acabou por não chegar.
A história das investidas da atual administração estadual contra a Aldeia Maracanã, por conta, aparentemente, das obras para a Copa do Mundo de futebol, pode ser acompanhada no blogue do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas (http://comitepopulario.wordpress.com/) e no Combate ao racismo ambiental, que ontem deu esta última notícia do cerco policial sem mandado judicial:
http://racismoambiental.net.br/2013/01/rj-atualizacao-da-situacao-na-aldeia-maracana/#more-83776
O deputado estadual Marcelo Freixo foi tratar com a polícia e pulou o muro para entrar na ocupação:
http://racismoambiental.net.br/2013/01/aldeia-maracana-video-sobre-a-situacao-mais-dialogo-de-marcelo-freixo-com-a-pm-4m/
Ainda existem representantes do povo no Estado do Rio de Janeiro...

Sobre a Aldeia Maracanã, pode-se ler esta história, por Elaine Tavares: http://www.diarioliberdade.org/brasil/repressom-e-direitos-humanos/34714-o-museu-do-%C3%ADndio-%C3%A9-hist%C3%B3ria.html
O texto tem alguns erros, como achar que havia um governo federal em 1865. No entanto, o que parece notável é que o imóvel foi doado para que se criasse um centro de estudos sobre os índios, e a falta de vontade política e a inércia administrativa impediram-no. Foi necessário que os próprios índios ocupassem-no, como explica o professor Urutau Guajajara:
http://www.canalibase.org.br/quem-vai-proteger-a-aldeia-maracana/
A demolição do prédio, hoje, não seria lícita, pois o Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio não a autorizou: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/09/prefeitura-impede-estado-de-demolir-predio-do-antigo-museu-do-indio/
Por outro lado, o consórcio Odebrecht e Andrade Gutierrez, duas das autoridades daquele Estado (e de outros), têm interesse na destruição da área, o que significa que ela pode ocorrer a qualquer momento: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/12/indigenas-ocupam-museu-do-indio-para-resistir-a-demolicao/
Por essa razão, ocorrerá um tuitaço em #ApoioAldeiaMaracana neste dia 13 de janeiro de 2013, a partir das 21 horas no fuso de Brasília.

Em 2011, expliquei como o lamentável governo do Estado do Rio de Janeiro usou procedimentos da ditadura militar brasileira contra a greve de bombeiros:
http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2011/06/desarquivando-o-brasil-ix-dizendo-o.html
Esse tipo de prisão, e de tentativa de impedir o direito de defesa eram já ilegais naquela época, quanto mais hoje.

Uma continuidade, no entanto, que precede a ditadura militar é a de ver os índios como "obstáculo", o que é típico da ideologia desenvolvimentista. Shelton Davis tratou dessa questão em Vítimas do milagre: o desenvolvimento e os índios no Brasil, livro que não está comigo agora.
Cito-o muito indiretamente, portanto, de um relatório de espionagem sobre a trigésima reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), feito pelo DOPS/SP (o documento está no Arquivo Público do Estado de São Paulo). Em 14 de julho de 1978, realizou-se mesa redonda coordenada por Darcy Ribeiro sobre a questão indígena. Tratava-se de mobilização da comunidade científica contra o projeto de emancipação dos índios, história que contei em outra nota deste blogue:
http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxv-emancipacao.html
Mantenho os erros do original do relatório:

Shalton Davis, leciona antropologia em uma Universidade do Rio de Janeiro (é americano) frisou que há um erro brasileiro em ver o indio como um obstáculo, o indio é pessoa como qualquer um, e como gente deve ser encarado. No Brasil, a estatistica mostra aproximadamente duzentos mil indios, e são poucos comparando-se com os EUA, que tem mais de dois milhões de indios. O Brasil, com a imensidão de área que tem, poderá facilmente resolver esse problema,  basta delimitar uma área e respeitá-la, e tratar os indios com direitos humanos.
Esse tipo de delimitação não é respeitada nem mesmo na cidade, como demonstra o destino do imóvel da Aldeia Maracanã. Não é um índice do caráter elitista e racista da democracia brasileira que se queira retirar os índios de um imóvel a eles dedicado - e para construir um estacionamento!?
O ativismo em prol dos povos indígenas tem unido forças com o ativismo em favor da proteção ao meio ambiente. Dificuldades surgem com os mega-projetos (como Belo Monte), como bem mostra Alaka Wali em artigo para o número da revista de antropologia Tipití dedicado a Shelton Davis: http://digitalcommons.trinity.edu/tipiti/
No caso, apesar de se tratar de área urbana, temos também a questão da preservação, mas do patrimônio histórico. As autoridades estaduais é que estão a militar pelas ruínas.

P.S.: A ex-vereadora (não foi reeleita) e principal especialista brasileira em direito do patrimônio, Sonia Rabello (escrevi sobre ela aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2012/12/cidade-bloqueada-ruinas-de-janeiro.html), acaba de escrever sobre a contradição de o prefeito (reeleito) Eduardo Paes sancionar uma lei de incentivo fiscal aos produtos culturais e autorizar, contrariando o parecer técnico, a destruição do imóvel secular onde está a Aldeia Maracanã.
Aqui está o texto, em que a grande jurista afirma, com toda propriedade: "os milhões a serem descontados dos impostos da Cidade para produção cultural de hoje poderão, em algumas décadas, ter o mesmo destino do prédio símbolo da cultura indígena – ou seja – chão, pó, ou lixo."
http://www.soniarabello.com.br/museu-do-indio-desrespeito-a-memoria/
Neste outro texto, ela analisa as contradições da decisão da presidente do Tribunal Regional Federal, desembargadora Maria Helena Cisne, a autorizar a destruição do prédio histórico:
http://www.soniarabello.com.br/museu-do-indio-a-decisao-judicial-que-permitiu-sua-demolicao/

P.S. 2: Depois de uma liminar obtida pela Defensoria Pública e da pressão da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, o governador declarou em 28 de janeiro que desistia de destruir o imóvel histórico: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,sergio-cabral-volta-atras-e-desiste-de-demolir-o-predio-do-antigo-museu-do-indio-no-rio,989864,0.htm

P.S. 3: Em razão da desocupação da Aldeia Maracanã em 22 de março de 2013, escrevi esta nota: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2013/03/o-cerco-aldeia-maracana-ii-governo.html

Um comentário:

  1. Sérgio cabral vai demolir o museu para continuar as obras do Maracanã, por que é necessário, não por que ele quer.

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