O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Veronica

Nos idos de 2002, creio, eu havia publicado esta vinhetinha no zine Nasdaq, que era editado por Eduardo Sterzi e Tarso de Melo.


VERONICA

– Não entendo; a sua história acabou?
– Hoje está um dia quente.
– Mas ninguém casou na história!
– Sabe, eu nunca quis me casar.
– Como ninguém casou no fim da história, ela não terminou.
– Acho a castidade uma virtude, contanto que ela não seja praticada.
– Mas é claro que ela poderia ter acabado se alguém tivesse morrido.
– A eternidade também é uma virtude se não for praticada.
– Uma história acaba ou com um casamento ou com morte. Se os dois ocorrem, nem o leitor pode continuar.
– Com um infarto fulminante, o final ficaria abrupto. Com uma doença degenerativa, longo… Mas não: o melhor é escrever abruptamente uma prolongada agonia e muito lentamente um fim súbito. Provaria que vida e escrita são opostas.
– Uma história em que alguém se casasse com um morto acabaria com todas as histórias.
– Mas morte e escrita são opostas?
– Por isso não entendo. A história não terminou.
– Quer casar comigo?
– Eu não gosto de sopa.
– Também não. Quer casar comigo?
– Acho que não. O dia está muito quente.
– É mesmo.
E então o matou.


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