O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 9 de março de 2014

"São lixeiros ou vândalos?"

Pensei em várias coisas, mas queria dedicar isto para Renata.







I

São lixeiros ou vândalos? Pergunta
a bomba de gás ao braço fardado, e ouve
estão parados quando deveriam movimentar-se,
violam a lei geral da ação,
sinal de que não querem mais pertencer
ao mundo dos seres animados.

São lixeiros ou terroristas? Indaga
o líder sindical ao moedeiro patronal, e ouve
gritam quando deveriam calar-se
e a palavra explode sobre a ordem,
ou talvez incendeie as cédulas
e eles alimentem-se das cinzas.

São vândalos ou terroristas, afirma
o jornalista aos anunciantes, grita
agitam-se nas ruas quando deveriam se acalmar
para limpar as ruas do lixo ruidoso
deixado pelo incêndio que fala
há uma lei geral que são as praças.


II

Levantam o cartaz: não somos
lixo, mas, se o fôssemos,
contaminaríamos as ruas
e nada em teu corpo e em tua ordem
sobreviveria à infecção.


III

vi o mar vi o
rio mas era
somente o lixo
que estava limpo
pois nada nele
era querido
pelo poder

vi o mar vi o
rio mas era
somente o grito
a gerar ondas
sem ser ouvido
não eram hinos
para o poder

vi o mar vi o
rio nadei
em outro líquido
onde naufraga
quem se embriaga
do sangue tinto
pelo poder

vi o mar vi o
rio banhei-me
porém no abismo
ele transborda
do que é digno
já que aos cimos
foge o poder


IV

Nada de estimular este trabalho;
insalubre demais, paga tão pouco.
Gritas por salário, ele soa rouco.
Nada de incentivo ao que era de escravos.

Nós te pagamos entre o nulo e o menos
porque força é mudares de vida,
ficarias nesta função ainda
caso este labor rendesse dinheiro.

Ao escultor e ao faxineiro o bronze
não se molda igualmente lucrativo.
Salário, pois, não deve ser o motivo
para que cruzes os braços logo hoje.

Para teu bem, toma a vassoura e te ergue.
Empreendedores não fazem greve.


V

Não vês a cidade porque soterrada por plástico
e outros derivados,
porém vês a cidade pois avistas o lixo e,
mais do que isso,
não precisas abrir os olhos,
basta respirar
para saber que a cidade revela-se em seus sucedâneos da terra.

– Veja a foto dos garis na praça; não há nenhum branco.
– Ótimo, mais um argumento para eu dizer na tevê que a greve é criminosa.

Atividade inumerável nas ruas,
mas uma greve
é o que basta para revelar a cidade.
Isto que se impõe aos sentidos
e até aos olhos cerrados.

A greve ensina ciência política
(latas explodindo bueiros)
(bueiros amamentando ratos)
(ratos mas onde é a matéria
reinam as bactérias
que devolvem a cidade a ela mesma
fazem tudo retornar a si mesmo
como o prefeito aos protozoários)

– Vândalos picharam o muro da prefeitura, que ainda não foi limpo pelos lixeiros que voltaram da greve e tiveram suas reivindicações atendidas; agora, notícias sobre terrorismo.

A greve ensina ciência política
(vírus gigantes despertados pela fumaça
da fricção entre industriais e ministros)
ou que é o lixo
que está no poder

Um comentário:

  1. Parabéns Renata..
    Afinal um professor dessa grandeza dedicou um texto à você.
    Ciúmes de ex - aluna!
    Se é que esse termo existe...

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