O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 12 de outubro de 2014

Indagações do professor de ciência política



Algo como um poema, de um eventual próximo livro:

 

Indagações do professor de ciência política





em que país há democracia perfeita? digam,
sei lá se a polícia aqui mata mais
do que em todo o continente, não estudo geografia

em que país há estatísticas perfeitas? respondam,
é irrelevante que tribunais entrem em plantão
para atender às metas de produtividade da polícia,
não faço pesquisa quantitativa

em que país a melanina é uma cidade? vocês não sabem,
temos que armar melhor a polícia,
é um problema de tecnologia
se as balas preferem alvos mais escuros;
parem de falar de periferias, não sou urbanista

em que país há pontaria perfeita? expliquem,
ativistas de cemitério, que perturbam
a paz acordada
entre a mira incerta dos agentes públicos
e a segurança da propriedade privada;
também não estudo balística,
não sei que relação ela teria com a política

em que país há memória perfeita? calem-se,
fanáticos da justiça, que desejam punição
para massacres de anteontem,
se posso avistá-los daqui
é porque em cima da pilha de ossos
estou à altura de uma observação objetiva da sociedade:

não estudo a relação entre a federação de indústrias e o cassetete,
entre a confederação agropecuária e as covas anônimas,
entre campanhas eleitorais e as notas frias,
e sim entre a ciência política e a bolsa de pesquisa
que pedi e ainda não foi deferida.


P.S.: O poema foi publicado em Canção de ninar com fuzis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário