O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A direita vermelha, algo como um poema





Banqueiros e motosserras,
empreiteiros e rajadas
e outros grileiros da esperança
recebem à mesa do banquete
a direita vermelha;
os não convidados
só provarão das iguarias
se caçarem as baratas
e os ratos não humanos
que sob a mesa
capturaram os fragmentos em queda;
mas a direita vermelha não veio para migalhas,
o banquete é o princípio de governo,
a administração de fome e fastio,
serviçais e seguranças,
a faca e a fogo;
e o novo convidado,
a direita vermelha,
para relembrar a cor,
vestígio arqueológico da política,
derrama vinho
da cabeça aos pés.

Os daltônicos políticos
chamam de esquerda
a direita vermelha
e ela aceita;
os daltônicos políticos
de esquerda a defendem
com argumentos da direita;
os daltônicos políticos
de direita a acusam
como se fora de esquerda,
e tudo ela aceita,
todo um arco-íris de erros
desune céu e terra
quando a direita vermelha 
preside o horizonte
e alguns tomam por aurora
o poente em desvario.

Quais deixam a pele mais vermelha,
os golpes da direita ou da esquerda?
A direita vermelha
enxerga mais adiante
e só mira nas cores mais sombrias
do hematoma
e corta a coleira da polícia
ao ver na rua
o povo não autorizado;
a direita vermelha,
ou menos do que a polícia,
apenas a coleira
que teria refreado
as mordidas da bomba,
apenas uma coleira
e partida
sempre que vê o povo
com pescoços nus, aortas acessíveis
para essa direita colorir-se como gosta.

A direita vermelha
foi admitida ao banquete,
agora evita a rua,
local de refeições ligeiras,
mas comanda os sinais de trânsito
acionados por cassetete e bomba;
sinais que avisam
por onde a democracia pode passar
sem perder os dentes,
sem perder os olhos,
sem perder o filho
que teria nascido
se não fosse a bomba
hoje senhora das ruas,
a praça é da bomba
como a explosão é do poder,
dizia o poeta,
ou a praça é do poder
como a explosão é da bomba,
não recordamos bem,
apenas ouvimos
os tiros para que o povo não invadisse a cidade,
hoje toda ela um sinal vermelho
exatamente como esta direita.

A direita vermelha
brinca com as redes
e decreta que livres
são os capturados,
e, indignos, os que escaparam
às bolsas, aos cargos,
aos prêmios, aos tiros
com que são urdidos
os furos da rede
da direita vermelha,
nela joga os dados íntimos
dos que não foram pescados,
dos que falaram mais do que os peixes,
pois a direita vermelha
ama o que é público
vendo em cada direito
uma oportunidade de concessão,
em cada concessão
um rio de oportunidades,
em cada rio
uma ocasião para a lama
em que a rede
não logra capturar mais nada,
exceto a miséria ribeirinha
e o deserto desaguando no mar
agora tão lendário quanto o vermelho
pois também aberto
em areia e fome, pedra e fuga.

Que frequência do vermelho lograria
capturar os fragmentos da queda
do desvio à direita?
A direita vermelha
voa nos jatos dos clientes
e vê no arco-íris um latifúndio
ainda a ser conquistado;
embora sobrevoe as florestas,
não entende suas cores,
manda as substituir por gado
e antevê a carne pendurada nos açougues,
manda substituir índios e seringueiros
pelos ganchos
onde os corpos pendurados
fazem o lucro dos açougues;
a política pinga
da mercadoria à venda,
mas a direita vermelha
manda limpar o chão
no fim do expediente.

Da possibilidade do arco
e da efetividade das cores
alimentam-se banqueiros e rajadas,
empreiteiros e motosserras
e a nova direita, a vermelha,
enquanto a velha não retoma o lugar,
ausente temporariamente
para vomitar-se a si mesma e a outras toxinas,
pois as bactérias
não distinguem direções
e tomaram o banquete por todos os lados,
revelaram-se o princípio do governo
e talvez possuam alguma cor
que não vemos.


P.S.: O poema foi publicado em Canção de ninar com fuzis.

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